Resumo do Livro Agosto - Rubem Fonseca

Resumo do Livro Agosto de Rubem Fonseca.

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Resumo do Livro Agosto - Rubem Fonseca
Agosto

Resumo do Livro: Agosto - Rubem Fonseca

Introdução

Embora o estudo que vamos apresentar possa subsidiar a compreensão do livro de Rubem Fonseca, Agosto é um romance que deve ser lido na íntegra. Este trabalho pretende ser tão-somente um aperitivo (ou a sobremesa) do grande banquete, que é ler esse romance.

José Rubem Fonseca, mineiro de Juiz de Fora (1925), é hoje um escritor consagrado, destacando-se como contista, romancista e roteirista de cinema.

Entre seus livros de contos, merecem referência Os primeiros (1963), A coleira do cão (1965), Lúcia MacCartney (1967), Feliz ano novo (1975) e  O cobrador (1979) e, entre os romances, sobressaem O caso Morel (1973), A grande arte (1983), Bufo e Spallanzani (1986) e Vastas emoções e pensamentos imperfeitos (1988).

Publicado em 1990, Agosto, pela segunda vez indicado para o vestibular, é um romance que funde ficção e história real, tendo-se transformado também numa bem sucedida minissérie de televisão.

Aliás, com esses mesmos ingredientes, tem feito grande sucesso também Hilda Furacão, de Roberto Drummond. O mesmo ocorreu com outro grande romance da literatura brasileira – Incidente em Antares -, de Érico Veríssimo, também filmado, no qual igualmente se misturam ficção e história.

Embora tenha sido recebido com ressalvas por alguns escritores, Agosto apresenta uma trama bem urdida, que prende o leitor do princípio ao fim, e constitui “uma das melhores obras de nosso tempo” e “o melhor livro de Rubem Fonseca”, como reconhece o jornalista e escritor Fernando Morais, na “orelha” do romance:

(...) Minuciosa pesquisa história e um talento que consegue o prodígio de superar as obras anteriores de Rubem Fonseca produziram um livro eletrizante. Como se tivesse diante dos olhos os melhores momentos de Costa Gravas, o leitor é guiado pela mão do autor a caminhar pela emoção de cada hora dos vinte e quatro dias de agosto de 1954: a câmera vai mostrando sucessivamente um xadrez entupido de presos comuns num distrito policial, uma melancólica reunião de Vargas com seu estado-maior no Palácio do Catete, o general Castelo Branco e o Marechal Mascarenhas de Morais tentando conter a fúria da UDN.

“Agosto” tece com brilho singular a fusão entre ficção e história rela. Juntos, bicheiros, mães-de-santo, brigadeiros golpistas, pistoleiros de aluguel e políticos corrompidos magnetizam de tal maneira o leitor que às vezes fica difícil saber onde termina a História do Brasil e onde começa o romance. “Agosto” será consagrado, sem a mais  remota sombra de dúvida, como uma das melhores obras de nosso tempo. E como o melhor livro de Rubem Fonseca.

Contexto Histórico

Já no primeiro capítulo do romance, o leitor depara com os fatos e as personagens que vão constituir o núcleo do livro: o assassinato de um empresário, a ser desvendado pelo delegado Alberto Mattos (no plano ficcional) e a trama urdida por Gregório Fortunato para assassinar o jornalista Carlos Lacerda (no plano histórico).

Para que se tenha uma idéia dos fatos históricos, que giram em torno do presidente Getúlio Vargas, vamos relacionar abaixo os acontecimentos ocorridos no mês de agosto de 1957, tendo como base a exposição de Thomas Skidmore apresentada em Brasil, de Getúlio a Castelo.

1º de agosto: Gregório Fortunato articula com Climério, membro da guarda pessoal do presidente Getúlio Vargas, o atentado contra o “Corvo”, o jornalista Carlos Lacerda, oposicionista ferrenho ao presidente da República.

2 de agosto: O presidente vai ao jóquei assistir ao grande prêmio e é vaiado por algumas pessoas das tribunas especiais. Das galerias populares não vieram vaias assim como também não vieram aplausos. Esse fato  poderia já estar demonstrando o desgaste da imagem do presidente junto à opinião pública.

5 de agosto: Ocorre o atentado contra Carlos Lacerda na rua Tonelero. No fracasso  atentado, morre o major da Aeronáutica Rubem Vaz, que servia de guarda-costas ao jornalista.

O fato repercute como uma bomba na imprensa, nos meios políticos  e militares. Os ministros militares perdem sua ascendência às tropas e ocorrem públicas manifestações de  indisciplina. Carlos Lacerda foi no pé e começa a usar sua conhecida habilidade oratória e jornalística para jogar as forças Armadas contra o governo.

6 de agosto: Getúlio Vargas compreende a gravidade do fato e se reconhece como a maior vítima. Determinou a seu Ministro da Justiça, Tancredo Neves, que apurasse, com todo o rigor, as responsabilidades do atentado. Numa tentativa de mostrar sua disposição, designa um promotor público ligado à oposição para acompanhar, junto ao Ministro da Aeronáutica, o inquérito policial-militar.

7 de agosto: è preso o motorista de táxi Nélson Raimundo, que aponta Climério como mandante do atentado.

8 de agosto: O presidente dissolve a guarda pessoal.

9 de agosto: Instala-se o clima golpista; deputados como Afonso Arinos e Aliomar Balieiro defendem a deposição de Vargas.

10 de agosto: As pressões da UDN fazem eco nas Forças Armadas, e Eduardo Gomes e outros oficiais da Aeronáutica pregam a deposição do presidente.

11 de agosto: O Ministro da Guerra, Zenóbio da Costa, renuncia, pressionado por militares da oposição, liderados por Eduardo Gomes.

12 de agosto: Getúlio viaja a Belo Horizonte para inaugurar, com o governador Juscelino Kubtscheck a Siderúrgica Mannesmann. Fez um discurso em que repudia a campanha sórdida e difamatória de que é o alvo e evoca os princípios as legalidade que seus opositores estariam atropelando.

Oficiais da Aeronáutica fazem da base do Galeão a sede do IPM que tentava apurar o atentado da rua Tonelero. Parte da imprensa lançou a alcunha de “República do Galeão” para o grupo militar  do IMP, militares golpistas e politiqueiros, que escondiam da imprensa e da opinião pública as verdadeiras conclusões do inquérito.

13 de agosto: Alcino, jagunço de Tenório Cavalcanti, foi preso depois de espetacular operação de busca na zona rural na baixada fluminense, uma autêntica operação de guerra. No Galeão, ele confessa que fora o autor do atentado a mando de Climério.

Afonso Arinos volta a discursar na Câmara exigindo a deposição de Vargas. No discurso, lança a patética expressão “mar de lama”, que estaria sob o palácio do Catete.

15 de agosto: É preso o chefe da guarda pessoal do presidente, Gregório Fortunato. Chefes militares se pronunciam pela renúncia de Getúlio  Vargas.

17 de agosto: O deputado mineiro Gustavo Capanema faz discurso em defesa do presidente e de sua família. Denúncia a instigação ao golpe feita pela UDN, que tentava jogar com as forças Armadas.

18 de agosto: Alcino, o matador de aluguel, reitera sua confissão anterior Gregório Fortunato.

19 de agosto: Manuel Vargas, filho do presidente é acusado de corrupção.

21 de agosto: O vice-presidente Café Filho, que era alvo especial da tentativa da UDN de fomentar uma cisão dentro do governo, sugeriu a Getúlio que ambos renunciassem, deixando que o Congresso elegesse um sucessor inteiro para o restante do mandato presidencial. Getúlio recusou-se dizendo a Café Filho que só deixaria o palácio no final do mandato ou, antes, morto.

22 de agosto: O Marechal Mascarenhas de Morais é convencido pelo Brigadeiro Eduardo Gomes a levar para o presidente uma exigência de renúncia feita pelos brigadeiros. Ao receber o documento, Getúlio o repete prontamente.

23 de agosto: Vinte e sete generais que se autodenominavam nacionalistas lançam o “Manifesto à Nação”, exigindo a renúncia de Getúlio Vargas. Nesse documento, declaravam que  a “corrupção criminosa” que envolvia o presidente havia comprometido “a autoridade moral” indispensável ao seu governo. Almirantes e brigadeiros aderem ao Manifesto.

O ministro Zenóbio da Costa tenta ainda organizar uma resistência dentro do Exército ao clima golpista, mas, depois de uma reunião com os militares, convence-se que a deposição de Vargas era inevitável e definida.

Getúlio não se rende ao ultimato dos militares e emite uma nota desafiadora: “Se vêm para me depor, encontrarão meu cadáver.”

O presidente manteve a palavra. Não hesitando um só momento acerca de sua defesa final contra seus inimigos, apontou cuidadosamente a arma contra o coração e apertou o gatilho. Sua família e seus ajudantes precipitaram-se para o aposento, mas já encontraram o presidente morto. Oswaldo Aranha, companheiro de tantas batalhas no passado, prorrompeu em lágrimas.

Uma inflamada carta-suicídio, supostamente deixada por Getúlio, foi imediatamente entregue os jornais. Denunciava que “uma campanha subterrânea dos grupos internacionais aliou-se às dos grupos nacionais”, tentando bloquear o “regime de proteção ao trabalho”, as limitações dos lucros excessivos e as propostas de criar a Petrobrás e a Eletrobrás.

Transcrevemos a seguir a carta-testamento:

Mais uma vez, as forças e os interesses contra o povo coordenaram-se e novamente se desencadeiam sobre mim.

Não me acusam, insultam, não me combatem, caluniam, e não me dão o direito de defesa. Precisam sufocar a minha voz e impedir a minha ação, para que eu não continue a defender como sempre defendi, o povo e principalmente os humildes. Sigo o destino que me é imposto.

Depois de decênios de domínio e espoliação dos grupos econômicos e financeiros internacionais, fiz-me chefe de uma revolução e venci, iniciei o trabalho de libertação e instaurei o regime de liberdade social. Tive de renunciar. Voltei ao governo nos braços do povo. A campanha subterrânea dos grupos internacionais aliou-se à dos grupos nacionais revoltados contra o regime de garantia do trabalho.

A lei der lucros extraordinários foi detida no Congresso. Contra a justiça da revisão do salário mínimo se desencadearam os ódios. Quis criar a liberdade nacional na potencialização das nossas riquezas através da Petrobrás e, mal começa esta a funcionar, a onda de agitação se avoluma. A Eletrobrás foi obstaculizada até o desespero. Não querem que o trabalhador seja livre. Não querem que o povo seja independente.

Assumi o governo dentro da espiral inflacionária que  destruía os valores de trabalho. Os lucros das empresas estrangeiras alcançavam até 500% ao ano. Nas declarações de valores do que importávamos existiam fraudes constatadas de mais de 100 milhões de dólares por ano. Veio a crise do café, valorizou-se o nosso principal produto. Tentamos defender seu preço e a resposta foi uma violenta pressão sobre a nossa economia, a ponto de sermos obrigados a ceder.

Tenho lutado mês a mês, dia-a-dia, hora a hora, resistindo a uma pressão constante, incessante, tudo suportando em silêncio, tudo esquecendo, renunciando a mim mesmo, para defender o povo, que agora se queda desamparado.

Nada mais vos posso dar, a não ser meu sangue. Se as aves de rapina querem o sangue de alguém, querem continuar sugando o povo brasileiro, eu ofereço em holocausto a minha vida. Escolho este meio de estar sempre convosco. Quando vos humilharem, sentireis a minha alma sofrendo ao vosso lado. Quando a fome bater à vossa porta, sentireis em vosso peito a energia para a luta por vós e vossos filhos.

Quando vos vilipendiarem, sentireis no pensamento a força para a reação. Meu sacrifício vos manterá unidos e meu nome será a vossa bandeira de luta. Cada gota de meu sangue será uma chama imortal na vossa consciência e manterá  a vibração sagrada para a resistência. Ao ódio respondo com perdão. E aos que pensam que me derrotaram respondo com a minha vitória.

Era escravo do povo e hoje me liberto para a vida eterna. Mas esse povo de quem fui escravo não mais será escravo de ninguém. Meu sacrifício ficará para sempre em sua alma e meu sangue será o preço do seu resgate.

Lutei contra a espoliação do Brasil. Lutei contra  a espoliação do povo. Tenho lutado de peito aberto. O ódio, as infâncias, a calúnia não abateram meu ânimo. Eu vos dei a minha vida. Agora vos ofereço a minha morte. Nada receio. Serenamente dou o primeiro passo no caminho da eternidade e saio da vida para entrar na história.

Carta-testamento

De Getúlio Vargas

24 de agosto de 1954

Como se vê, participaram do romance algumas figuras da história do Brasil, em que sobressaem o presidente Getúlio Vargas, Carlos Lacerda e Gregório Fortunato.

A seguir, relacionamos essas e outras figuras históricas que se destacam no livro:

1)     Getúlio Vargas: conhecido como “o pai dos pobres”, o velho caudilho aparece na obra com o mesmo caráter ambíguo que tem na história: ora é visto como vítima, ora é acusado de ser o responsável por toda a crise e pelo caos político que se instalou no país.

2)     Gregório Fortunato: chefe da guarda pessoal de Getúlio Vargas, o “Anjo Negro”, estava disposto até à morte para defender o presidente. Foi mandante do fracassado atentado a Carlos Lacerda, em que acabou morrendo o oficial da Aeronáutica, fato que desestabilizou completamente o governo e acirrou a oposição e as Forças Armadas, dando origem ao clima de golpe.

3)     Carlos Lacerda: jornalista, grande orador e radical opositor ao governo Vargas e ao bloco governista. Conseguiu transformar o golpe contra ele em trunfo político, o que lhe possibilitou jogar as Forças Armadas contra o velho presidente.

4)     Climério: membro da guarda pessoal do presidente, incumbido por Gregório Fortunato a contratar o assassino que atentaria contra Lacerda, o matador Alcino, que acaba fracassando.

5)     Nélson: motorista de táxi que participa da tentativa de assassinato de Carlos Lacerda. Foi quem revelou toda a trama aos oficiais da Aeronáutica que comandavam o inquérito policial-militar.

6)     Alcino: Contratado para matar Lacerda, erra o alvo, o que acaba provocando as complicações políticas que culminaram com  o suicídio de Getúlio.

7)     Alzira e Lutero Vargas: filhos de Getúlio Vargas. Ela é muito ligada ao pai, a quem tem muito carinho; ele, deputado, é acusado de ser o mandante do atentado contra Lacerda.

Nesta relação de personagens históricas, podem entrar alguns tipos que aparecem com o nome ligeiramente modificado, como é o caso de Vitor Freitas, senador corrupto e homossexual, Eusébio de Andrade, Ilídio e Moscoso, contraventores do jogo do bicho.

Organização Estrutural do Romance

1)  Ação – Paralela aos fatos históricos e entrelaçada com eles, corre, no plano da ficção, a trama policialesca, que tem como protagonista o comissário Alberto Mattos.

Tudo gira em torno do assassinato do industrial Gomes Aguiar, sócio de Pedro Lomagno na Cemtex.

Para investigar o crime, ocorrido em circunstâncias misteriosas, é indicado o delegado Mattos, que tem como única pista um anel que traz “F” gravado no seu interior.Perpassada de suspense, a ação ficcional do romance é constantemente entrecortada pela trama para assassinar o jornalista Carlos Lacerda., o que acontece nos últimos dias do governo do presidente Getúlio Vargas.

Na “orelha” do romance (edição de 1990 de Companhia das Letras), Fernando Morais resume assim a ação central de Agosto:

Na madrugada de 1º de agosto de 1954, um empresário é brutalmente assassinato no quarto de seu luxuoso duplex no Rio de Janeiro.

Aos poucos quilômetros dali, o tenente Gregório Fortunato, chefe da guarda pessoal do presidente Getúlio Vargas, começa a arquitetar outro crime: o atentado contra jornalista Carlos Lacerda, que terminaria vinte dias depois, na maior tragédia política do Brasil. Depressivo e incorruptível, atormentado por uma úlcera gástrica e por duas namoradas, um delegado de polícia sai obsessivamente atrás de uma pista: a mão negra que armou os pistoleiros do atentado da rua Tonelero pode ser a mesma que matou o milionário na cama.

2)  Personagens – Complementando essa teia ficcional, a seguir apresentamos as principais personagens que participaram dessa trama policialesca:

  1. a)     Alberto Mattos: íntegro, esse delegado é um solitário defensor da honestidade e da justiça, valores que defende e pratica contra interesses e ações de seus colegas na delegada. Na narrativa, esse comissário de policia intrépido é um importante elo entre a narrativa ficcional e a narrativa histórica.

Relativamente culto, amante da ópera, sofre de uma terrível úlcera estomacal e está dividido entre duas mulheres: Alice, uma namorada antiga com problemas psiquiátricos que retorna à sua vida depois de muitos anos; e Salete, a linda parceira que divide seu amor com Mattos e com um milionário, Luiz Magalhães.

  1. b)     Pedro Lomagno: homem rico e inescrupuloso, casado com Alice, e sócio da Cemtex, juntamente com o industrial assassinado, Gomes Aguiar. É amante da mulher do sócio, Luciana, mulher fútil da alta sociedade, e amigo do treinador de boxe Chicão, assassino do industrial, do porteiro do edifício e do comissário Mattos e sua companheira Salete. Todos esses crimes foram a mando de Lomagno.
  2. c)     Pádua: colega de Mattos na delegacia de polícia. Não tem qualquer escrúpulo quanto a recorrer a métodos extremos para defender seus próprios interesses. Apesar de ter diferenças profundas com Mattos, respeita-o como o único policial honesto da delegacia.
  3. d)     Além desses, poderíamos citar o Turco Velho, matador de aluguel, contratado para assassinar Mattos e acaba sendo morto por Pádua, e Ramos, o delegado corrupto, que recebe propinas dos contraventores do jogo do bicho.

3)  Tempo e lugar

O cenário da ação do romance, como já ficou explícito, é o Rio de Janeiro, então capital da República e foco das tensões políticas, onde imperam a violência, a corrupção, o luxo e a miséria.

Longe de ser o cartão postal do Brasil, o Rio de Janeiro do romance transita entre o sombrio de uma delegacia abarrotada de presos, os apartamentos e palacetes luxuosos onde se tramam os grandes crimes e o clima de agonia e tensão do palácio do Catete. O espaço está em consonância plena com a atmosfera de tensão e casos que vive a sociedade brasileira.

O tempo focalizado é o mês de agosto de 1954.

É interessante observar que, ao montar o romance em 26 capítulos, em que cada um corresponde a um dia do mês retratado, o tempo flui cronologicamente, como se fosse um diário.

4) Foco narrativo

Como convém a um romance dessa natureza, a narrativa é feita na terceira pessoa por um narrador que se revela frio e impessoal, o que combina bem com o caráter policialesco do romance.

Tal como  num filme, a narrativa é freqüentemente interrompida através de cortes típicos de uma produção cinematográfica.

Estilo/Linguagem

Agosto é um livro que se insere na pós-modernidade, sobressaindo nele alguns aspectos de linguagem que merecem destaque.

1)     Com o objetivo de adequar a linguagem às personagens, o autor usa, sobretudo nos diálogos, modismos próprios da língua coloquial falada no Brasil. É freqüente o uso de próclise inicial, emprego de “ter” por “haver quando impessoal, falta de uniformidade no uso do imperativo, etc:

“Chefe, não se preocupe. Deixa comigo.”

“Me prepara um chimarrão bem quente.”

“Pra você não ver meu retrato, está muito feio”.

“Tem mais alguém doente aí?”

2)     Entretanto, além desses coloquialismos, percebem-se, no romance, vários níveis de linguagem, que combinam com as diversas situações e tipos focalizados. Assim é que, na narrativa, são freqüentes gírias, palavrões, e mesmo linguagem técnica dos laudos policiais e a erudita dos barrocos discursos políticos.

3)     Com frequência, recriando textos históricos como pronunciamentos, discursos, documentos e registros da época de Getúlio, o autor usa o recurso da intertextualidade, que consiste, como se sabe, na inserção de trechos, citações ou referências no texto que o autor está construindo.

4)     O clima de suspense perpassa o livro do começo ao fim. O autor sabe criar esse clima, que é uma técnica para segurar o leitor. Aliado aos freqüentes cortes, esse recurso confere ao romance uma feição cinematográfica.

5)     Destaque igualmente merece a erudição revelada pelo autor sobretudo quando faz referência ao mundo do cinema, da pintura e da música.

6)     Os diálogos no livro não vêm indicados pelo tradicional travessão, como é de praxe no discurso direto. O autor prefere usar aspas para indicar as falas de suas personagens, o que não deixa de ser um traço da literatura contemporânea: inovar, fazer diferente.

Aspectos Temáticos Marcantes

Ao término da leitura de um livro como Agosto, além do prazer estético que se degusta em suas páginas, algumas questões de ordem temática expostas pelo romance podem ser apresentadas.

1)     Em primeiro lugar, ao focalizar um período expressivo da história do Brasil, a obra mostra um momento de transição de nossa frágil democracia, em que avulta a figura de Carlos Lacerda, representante maior da ideologia udenista e das classes abastadas.

2)     Ao retratar um momento agônico da trajetória  política de Getúlio Vargas, o ex-ditador do Estado Novo nos é apresentado com uma imagem simpática e carismática. Seu suicídio, um gesto altaneiro e abnegado como se vê na carta-testamento , é bem uma resposta heróica  a seus inimigos e faz crescer a sua imagem de figura carismática perante os pobres e humildes que ele defende.

3)     A morte de Getúlio é muito semelhante à do comissário Mattos, pois ambos fariam grandes interesses, colocando em risco acordos, negócios e negociatas. Nesse sentido, o romance expõe, de forma contundente, de um lado, o submundo da política e da polícia, às voltas com subornos e corrupção; e, de outro, as mazelas que configuram os integrantes da alta sociedade marcada por traições e futilidades.

4)     Nesse contexto, insere-se o papel um tanto quanto bisbilhoteiro da imprensa, servindo ora a uns, ora a outros, que divide e mobiliza a opinião pública. Por certo, com notícias sensacionalistas, que carecem de consistência, a imprensa está longe do seu objetivo maior; que é o de informar de modo isento.

5)     Apresentado como palco de tantas patifarias, o Rio de Janeiro, cidade maravilhosa de tantos encantos, revela-se como lugar marcado pela violência, pela miséria e por conflitos de toda ordem.

6)     Nesse cenário de caos que envolve a narrativa em suas duas faces, a história e  a ficcional, a morte parece ser a solução inevitável. Assim como a de Getúlio consternou a nação, a morte de Mattos consternou a todos os seus colegas, que se sentiram sempre ameaçados pela inflexibilidade de seu caráter.