Resumo II O Ateneu - Raul Pompéia

Resumo do Livro O Ateneu de Raul Pompéia.

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Resumo II O Ateneu - Raul Pompéia
O Ateneu

O “escândalo autobiográfico” de O Ateneu, como mencionou Mário de Andrade, é, no entender desse crítico, uma vingança de Raul Pompéia contra a sociedade. Romance que ressalta instintos, patologias sexuais, ao lado de enfoques subjetivos e psicológicos, situa-se entre o Realismo e o Naturalismo. 

Minucioso narrador, Raul Pompéia a tudo observa e transmite - “arte de filigrana”, como comentou o historiador Eugênio Gomes - ,fazendo interferir constantemente em seu relato um “espírito escarninho”, como se pode depreender dos seguintes trechos do Capítulo I de O Ateneu, que enfocam a chegada de Sérgio (protagonista) ao Colégio Abílio:

(...) De fato, os educandos do Ateneu significavam a fina flor da mocidade brasileira.
A irradiação da réclame alongava de tal modo os tentáculos através do país, que não havia família de dinheiro, enriquecida pela setentrional borracha ou pela charqueada do sul, que não reputasse um compromisso de honra com a posteridade doméstica mandar dentre seus jovens, um, dois, três representantes ebeberar-se à fonte espiritual do Ateneu.

Fiados nesta seleção apuradora, que é comum o erro sensato de julgar melhores famílias as mais ricas, sucedia que muitos, indiferentes mesmo e sorrindo do estardalhaço da fama, lá mandavam os filhos. Assim entrei eu.

Algumas damas empunhavam binóculos. Na direção dos binóculos distinguia-se um movimento alvejante. Eram os rapazes. “Aí vêm! disse meu pai; vão destilar por diante da princesa.” A princesa imperial, regente nessa época, achava-se à direita em gracioso palanque de sarrafos.

Notável também é a descrição de Aristarco, o diretor da escola. A descrição, aliás, parece ser a ponta de lança de Raul Pompéia o que fez Mário de Andrade observar que “é na descrição do mal que Raul Pompéia se torna absolutamente um mestre. Então, quando é o momento de estudar Aristarco, não raro atinge as raias da genialidade. Não há, talvez, nenhuma página sobre Aristarco que não seja magistral. A violência é prodigiosa, as imagens saltam inesperadas, de um vigor de realismo e de uma beleza de imaginação absolutamente excepcionais”. Note-se, por exemplo, o seguinte enfoque:

Aristarco arrebentava de júbilo. Pusera de parte o comedimento soberano que eu lhe admirava na primeira festa. De ponto em branco, como a rapaziada, e chapéu-do-chile, distribuia-se numa ubiqüidade impossível de meio ambiente. Viam-no ao mesmo tempo a festejar os príncipes com o risinho nasal, cabritante, entre lisonjeiro e irônico, desfeito em etiquetas de reverente súdito e cortesão; viam-no bradando ao professor de ginástica, a gesticular com o chapéu seguro pela copa; viam-no formidável, com o perfil leonino rugir sobre um discípulo que fugira aos trabalhos, sobre outro que tinha limo nos joelhos, de haver lutado em lugar úmido, gastando tal veemência no ralho, que chegava a ser carinhoso.

O figurino campestre rejuvenescera-o. Sentia as pernas leves e percorria celeripede a frente dos estrados, cheio de cumprimentos para os convidados especiais e de interjetivos amáveis para todos. Perpassava como uma visão de brim claro, súbito extinto para reaparecer mais viva noutro ponto. Aquela expansão vencia-nos; ele irradiava de si, sobre os alunos, sobre os espectadores, o magnetismo dominador dos estandartes de batalha. Roubava-nos dois terços da atenção que os exercícios pediam; indenizava-nos com o equivalente em surpresas de vivacidade, que desprendia de si, profusamente, por erupções de jorro em roda, por ascensões cobrejantes de girândola, que iam às nuvens, que baixavam depois serenamente, diluídos na viração da tarde, que os pulmões bebiam. Ator profundo, realizava ao pé da letra, a valer, o papel diáfano, sutil, metafísico, de alma da festa e alma do seu Instituto.

 
O que se salienta sobretudo, em O Ateneu, são os confrontos que o autor estabelece entre aquilo que é realidade exterior e o que é a realidade interior. Quanto a isso, pode-se afirmar que foi imbatível.

PROCESSOS NATURALISTAS
Narrador onisciente, Sérgio – personagem que conduz a história de O Ateneu – é também um narrador audacioso, com penetrante argúcia psicológica e ainda grande senso naturalista de descrição, como se pode ver no enfoque dos companheiros de classe:

O Gualtério, miúdo, redondo de costas, cabelos revoltos, motilidade brusca e caretas de símio...; o Negrão, de ventos acesas, lábio inquietos, fisionomia agreste de cabra, canhoto e anguloso, incapaz de ficar sentado três minutos...

Ou na magistral descrição de Ângela, no Capítulo III:

Trepada ao muro e meio escondida por uma moita de bambus e ramos de hera, vinha Ângela, a canarina, ver os banhos de tarde. Lançava pedrinhas aos rapazes; os rapazes mandavam-lhe beijos e mergulhavam, buscando o seixo. Ângela, torcendo os pulsos, reclinando-se para trás, ria perdidamente um grande riso, desabrochado em corola de flor através dos dentes alvos.

E no Capítulo V:

Ângela tinha cerca de vinte anos; parecia mais velha pelo desenvolvimento das proporções. Grande, carnuda, sangüínea e fogosa, era um desses exemplares excessivos do sexo que parecem conformados expressamente para esposas da multidão – protestos revolucionários contra o monopólio do tálamo.

Atirada de modos, como o ditirambo do amor efêmero; vazia como as estátuas ocas; sem sentimentos, material e estúpida, possuía, entretanto, um segredo satânico de graduar os largos olhos de sépia e ouro, animar expressões no rosto que dir-se-ia viver-lhe na face uma alma de superfície, possante, capaz dos altos martírios da ternura e de interpretar os poemas trágicos da dedicação.

Gostava de arregaçar as mangas para mostrar os braços, luxo de alvura, braços perfeitos de princesa, que davam que pensar ao espanador humilde no serviço da manhã. (...)

RESUMO DA NARRATIVA

O Ateneu, Crônica de Saudades, estrutura-se através de “manchas de recordação”, ou seja, de uma sucessão de episódios, cujo fio condutor é a memória do personagem-narrador. Não há propriamente um enredo. Relatamos, a seguir alguns episódios:

Com onze anos, o menino Sérgio (que narra a história em primeira pessoa) entra para o “Ateneu”, famoso colégio interno dirigido pelo Dr. Aristarco Argolô de Ramos. Principia falando de Aristarco:

“um personagem que, ao primeiro exame, produzia-nos a impressão de um enfermo, desta enfermidade atroz e estranha; a obsessão da própria estátua. Como tardasse a estátua, Aristarco interinamente satisfazia-se com a influência dos estudantes ricos para seu instituto. De fato, os educandos do “Ateneu” “significavam a fina flor da mocidade brasileira”.

O pai de Sérgio, ao deixá-lo à porta do “Ateneu”, disse-lhe:

“Vais encontrar o mundo. Coragem para a luta”.

E o autor acrescenta:

“Bastante experimentei depois a verdade deste aviso, que me despia, num gesto, das ilusões de criança educada exoticamente na estufa de carinho que é o regime do amor doméstico...”

Sobre os companheiros de classe, diz:

“eram cerca de vinte: uma variedade de tipos que me divertia: o Gualtério, o Nascimento, o Álvares, o Mânlio, o Almeidinha, o Mauríllio, o Negrão, o Batista Carlos, o Cruz, o Sanches e o resto, uma cambadinha indistinta, adormentados nos últimos bancos, confundidos na sombra preguiçosa do fundo de sala.”

Nos primeiros dias, Sérgio atravessa por um período de ajustamento, e conversando com o Rebelo, um veterano, este assim opina sobre os companheiros:

“Têm mais pecados na consciência que um confessor no ouvido, uma mentira em cada dente, um vicio em cada polegada de pele. Fiem-se neles... São servis, traidores, brutais, adulões. Fuja deles, fuja deles. Cheiram a corrupção, emprestam de longe. Corja de hipócritas! Imorais! Cada dia de vida tem-lhes vergonha da véspera. Mas você é criança; não digo tudo o que vale a generosa mocidade. Com eles mesmos há de aprender o que são... Os rapazes tímidos, ingênuos, sem sangue, são brandamente impelidos para o sexo da franqueza; são dominados, festejados, pervertidos como meninas ao desamparo. Quando, em segredo dos pais, pensam que o colégio é a melhor das vidas, com o acolhimento dos mais velhos, entre brejeiros e afetuosos, estão perdidos... Faça-se homem, meu amigo. Comece por não admitir protetores.”

Após a fase inicial de ajustamento, Sérgio vai-se habituando à vida do internato. Interessa-se pelos estudos, graças à ajuda de Sanches. Mas o Sanches estava mal intencionado: seu plano era perverter Sérgio. E, como não consegue, passa a persegui-lo, como “vigilante” que era. O resultado é que Sérgio, de bom aluno, passa a figurar no “livro de notas”, um trágico livro em que cada professor anotava as supostas indisciplinas e que o diretor lia todos os dias perante os alunos para isso reunidos, tornando públicas as atitudes faltosas, as quais eram castigadas rigorosamente. Sérgio entra em perigosa fase de desânimo, tornando-se religioso. Nessa fase tem amizade com Franco, um pobre-diabo que vivia desprezado por todos, o figurava permanentemente no “livro de notas”. Certa vez, Franco para vingar-se dos colegas que haviam maltratado, joga cacos de vidro na piscina. (Sérgio ajuda nesta tarefa.) Felizmente as intenções maldosas de Franco são por acaso frustradas, pois houve a limpeza da piscina antes que os alunos banhassem; mas o episódio fez com que Sérgio, arrependido, deixasse a fase de “misticismo” e passasse a encarar a vida de outra maneira: conta a seu pai o que realmente era o “Ateneu” e resolve, daí por diante, tomar atitudes de pessoa independente, enfrentando inclusive a autoridade despótica e interesseira de Aristarco.

E o autor comenta: “esse foi o caráter que mantive, depois de tão várias oscilações.”

Nesta altura, introduz novo personagem: O Nearco, um ginasta de grande valor, que acabara de entrar para o “Ateneu”. Embora excelente nos exercícios de ginástica, foi como orador do grêmio literário do colégio que Nearco se destacou. Às reuniões desse órgão estudantil, chamado “Grêmio Amor ao Saber”, Sérgio comparecia como simples assistente. Como o grêmio possuía farta biblioteca, Sérgio começa a freqüentá-la, então que se deu um fato estranho: Freqüentando a biblioteca, Sérgio travou amizade com o Bento Alves, um aluno mais velho que trabalhava como bibliotecário. Uma amizade que logo degenerou, por força das más intenções do Bento Alves. Logo os colegas começaram a dizer piadas e a fazer comentários:

“A malignidade do Barbalho e seu grupo não dormia. Tremendo da represália do Alves, faziam pelos cantos escorraçada maledicência, digna deles”.

Certo dia, o diretor se dirigiu aos alunos:

“Tenho a alma triste, senhores. A imoralidade entrou nessa casa! Recusei-me a dar crédito, rendi-me à evidência...”.

Narra então, o diretor, um caso de “amor” entre dois alunos, inclusive faz referência a uma carta de “amor” em que um dos protagonistas convida o outro para um encontro no jardim e assina: Cândida ( o aluno se chamava Cândido)... E o diretor termina a primeira parte do discurso com a frase:

“Há mulheres no “Ateneu”, meus senhores.”

E o desfecho acontece:

“Aristarco soprou duas vezes através do bigode, inundando o espaço com um bafejo todo poderoso. E, sem exórdio: Levante-se Sr. Cândido Lima! Apresento-lhes, meus senhores, a Sra. Dona Cândida – acrescentou com ironia desanimada. Para o meio da casa! Curve-se diante dos seus colegas. Cândido era um grande menino, beiçudo, louro, de olhos verdes e maneiras difíceis de indolência e enfado. Atravessou devagar a sala, dobrando a cabeça, cobrindo o rosto com a manga, castigado pela curiosidade pública. –Levanto-se, Sr. Emílio Tourinho... Este é o cúmplice, meus senhores. Tourinho era um pouco mais velho que o outro, porém mais baixo; atarracado, moreno, ventas arregaladas, sobrancelhas crespas, fazendo um só arco pela testa. Nada absolutamente conformado para galã, mas era com efeito o amante. –Venha ajoelhar-se com o companheiro. –Agora os auxiliares. E o chamado do diretor, foram deixando os lugares e postando-se de joelhos em seguimento dos principais culpados. Prostrados os doze rapazes perante Aristarco, na passagem alongada entre as cabeceiras das mesas, parecia aquilo em ritual desconhecido de noivado à espera da bênção para o casal frente. Em vez de bênção chovia a cólera.”

E prossegue o autor:

“Conduzidos pelos inspetores, saíram os doze como uma leva de convictos para o gabinete do diretor, onde deviam se literalmente seviciados, segundo a praxe da justiça de arbítrio. Consta que houve mesmo pancada de rijo.”

Sérgio teve, após o episódio com Bento Alves, um amigo “verdadeiro”, Egbert.

Tendo sido transferido para o dormitório dos maiores, Sérgio começa a viver em ambiente mais masculino. Narra os hábitos dos mais velhos, as saídas noturnas pelas janelas, etc.

Conta Sérgio o episódio da morte do colega Franco, vítima de péssima educação que havia recebido em casa e igualmente vítima dos maus-tratos sofridos no “Ateneu”.

E termina o livro com o Incêndio que destrói o “Ateneu”, incêndio, ao que se diz, “propositadamente lançado pelo Américo”, um aluno revoltado, que fora colocado à força pelo pai no internato.

Conclui o autor:

“Aqui suspende a crônica das saudades. Saudades verdadeiramente? Puras recordações, saudades talvez se ponderarmos que o tempo e a ocasião passageira dos fatos, mas sobretudo – o funeral para sempre das horas.

UMA NARRATIVA DE CONFIÇÃO

O Ateneu é a recriação artística do colégio interno. Apoiado na memória, Sérgio (Raul Pompéia) vai recompondo os fantasmas da adolescência, vivida entre as paredes do internato, através de quadros que deformam intencional e artisticamente o passado.

Não é simples autobiografia e também não é pura ficção (=imaginação, invenção). É a soma das duas coisas, trabalhada pelas mãos do artista.

Reproduzindo o Prof. Alfredo Bosi: “Raul Pompéia era artista, e artista cônscio do seu oficio de plasmador de signos. Ficasse a sua obra no plano projetivo das angústias e no seu desafogo, por certo não teria ultrapassado o limiar da literatura de confidência e evasão que marcou quase toda a prosa romântica. Mas ele vai além da projeção: tematiza os escuros desvãos da memória em torno de ambientes, cenas, personagens, e molda as estruturas no nível da palavra descritiva, narrativa dialogada.

UMA CLASSIFICAÇÃO PROBLEMÁTICA

Há uma superposição de diversos estilos, que torna problemático vincularmos O Ateneu a uma determinada corrente estética. Assim, podemos identificar:

Os elementos expressionistas estão, na descrição, através de símiles exagerados, dos ambientes e pessoas, compondo “quadros”de muita riqueza plástica, especialmente visual, e desnudando de forma cruel os lugares, os colegas, professores, etc. A frase transmite grande carga emocional. O estilo é nervoso, ágil. A redução das personagens as caricaturas grotescas parece proveniente da intenção de deformar, de exagerar, como se Raul Pompéia estivesse “vingando-se”de tudo e de todos.

“As mangueiras, como intermináveis serpentes, insinuavam-se pelo chão.” (...)

“As crianças, seguindo em grupos atropelados, como carneiros para a matança.” (...)

“Os companheiros de classe eram cerca de vinte; uma variedade de tipos que me divertia. O Gualtério, miúdo, redondo de costas, cabelos revoltos, motilidade brusca e caretas de símio – palhaço dos outros, como dizia o professor; o Nascimento, o bicança, alongado por um modelo geral de pelicano, nariz esbelto, curvo a largo como uma foice; (...) o Negrão, de ventas acesas, lábios inquietos, fisionomia agreste de cobra, canhoto a anguloso......”.

Os Elementos Impressionistas evidenciam-se no trabalho da memória como fio condutor. O passado é recriado por meio de “manchas” de recordação, - daí a existência de um certo esfumaçamento da realidade, pois o internato é reconstituído por meio de impressões, mais subjetivas que objetivas, eivadas de um espírito de vingança, sofrimento e autopunição. Há quem, por isso, rotule O Ateneu de romance impressionista.

Os Elementos Naturalistas decorrem da concepção instintiva e animalesca das personagens, cujo comportamento é determinado pela sexualidade, condição social, etc. Há um certo gosto “naturalista”pelas “perversões”. É o que ocorre nas descrições de Ângela e na tensão de homossexualismo que existe nas relações de Sérgio com Sanches, Bento Alves e Egbert.

Mas é um naturalismo dissidente, que nada tem a ver com o apriorismo, ou com o esquematismo, característicos dessa corrente. O doutor Cláudio, conferencista que algumas vezes pontifica no internato, e que exterioriza algumas idéias artísticas do próprio Raul Pompéia, define arte como o processo subjetivo da “evolução secular do instinto da espécie”.

Seria possível rastrear em O Ateneu aproximações também com o Parnasianismo, com o Simbolismo e, até, antecipações modernistas.

UMA ANTECIPAÇÃO DE FREUD

Freud afirmara que os escritores há muito conheciam e aplicavam em sua arte os mecanismos do inconsciente, trabalhando com reminiscências traumáticas, que afetariam a sua adolescência. Faz, a seu modo, um regresso “psicanalítico” às fontes primeiras de suas cicatrizes.

Mas as aproximações com a teoria freudiana não se esgotam aí. Pode-se rastrear na personalidade de Sérgio as marcas profundas do complexo de Édipo mal resolvido (o pai castrante odiado e a projeção da relação pai/filho na recusa à autoridade de Aristarco; a projeção das relações com a mãe, na figura de Dona Ema, etc.).

O componente sexual é o traço mais valorizado na personalidade dos adolescentes do internato, divididos em 11 “machos”e “fêmeas”, em dominadores e dominados. Observe o que diz o narrador em relação ao seu colega Bento Alves:

“Estimei-o femininamente, porque era grande, forte, bravo; porque me podia valer, porque me respeitava, quase tímido, como se não tivesse ânimo de ser amigo. Para me fitar esperava que ou tirasse dele os meus olhos.”

Ou ainda, em relação ao assédio do mesmo Bento Alves:

“O meu bom amigo, exagerado em mostrar-se melhor, sempre receoso de importunar-me com uma, manifestação mais viva, inventava cada dia nova surpresa e agrado. (...) Um dia, abrindo pela manhã a estante numerada do salão do estudo, achei a imprudência de um ramalhete. (...) Acariciei as flores, muito agradecido, o escondi-o antes que vissem.”

O INTERNATO COMO MICROCOSMO

Raul Pompéia projeta no internato toda a problemática do mundo adulto. O Ateneu é uma redução, em escala, da visão que o autor tinha da sociedade como um todo. O móvel das ações de Aristarco era o dinheiro, e os alunos eram tratados pelo diretor, conforme o segmento social a que pertenciam seus pais.

A crítica ao sistema educacional é severa:

“O Ateneu... afamado por um sistema de nutrida reclame, mantido por um diretor que de tempos em tempos reformava o estabelecimento, pintando-o jeitosamente, como os negociantes que liquidam para recomeçar com artigos de última remessa”...

Raul Pompéia não deixa ao arbítrio dos futuros intérpretes o trabalho de decifrar o sistema de idéias que se poderia depreender de Ateneu: ele mesmo o expõe, na pessoa do Dr. Cláudio, em três conferências:

1ª) Fala sobre a cultura brasileira, onde os desejos republicanos de Pompéia se mostram, investigando o “pântano das almas” da vida nacional, sob a “tirania mole de um tirano de sebo”.

2ª) Fala sobre a arte, entendida pré-freudianamente como “educação do instinto sexual”, e antecipando também Nietzsche como “expressão dionisíaca”.

“Cruel, obscena, egoísta, imoral, indômita, eternamente selvagem, a arte é a superioridade humana – acima dos preceitos que se combatem, acima das regiões que possam, acima de ciência que se corrige; embriaguez como a orgia e como o êxtase.”

3ª) Fala sobre as relações entre a escola e a sociedade:

“Não é o internato que faz a sociedade, o internato a reflete. A corrupção que ali viceja vem de fora.”

“A educação não faz as almas: exercita-as. E o exercício moral não vem das belas palavras de virtude, mas do atrito com as circunstâncias. A energia para afrontá-las é a herança de sangue dos capazes de moralidade, felizes na loteria do destino. Os desertados abatem-se.”

RAUL POMPÉIA

Raul D’Ávila Pompéia nasceu em Angra dos Reis em 1863. Freqüentou um colégio interno; formou-se em direito em São Paulo. Voltando ao Rio, dedicou-se ao jornalismo. Foi também diretor da Biblioteca Nacional. De temperamento ultra-sensível, passou uma vida bastante isolada. Suicidou-se na noite do Natal de 1895.

OBRAS

Prosa: O Ateneu (1888) – romance; Canções sem metro – crônicas, poemas em prosa, divagações poéticas.