Resumo A Mão e a Luva - Machado de Assis

Resumo do Livro A Mão e a Luva de Machado de Assis.

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Resumo A Mão e a Luva - Machado de Assis
A Mão e a Luva

Machado de Assis, na atualidade, transformou-se em uma das raras unanimidades nacionais. Raramente passa-se uma semana sem que algo de novo em torno do autor e de sua obra seja publicado, republicado, discutido, analisado por críticos, entendidos ou meros curiosos.
O Autor é praticamente inseparável do conceito de Literatura Brasileira. Nascido, criado e radicado por toda sua vida no Rio de Janeiro, seus romances, crônicas, contos, poemas e peças teatrais, que foi um de nossos mais perfeitos polígrafos, elegem como cenário a então capital do Brasil, na segunda metade do século XIX. Entretanto, mesmo com esse cenário e tempo histórico imutável, explora sua temática com tal maestria e propriedade que o texto torna-se anaespacial e atemporal, fazendo o leitor passar despercebido por limites que em outras circunstâncias "datariam" a obra.

DA OBRA

Fazendo parte da obra dita "romântica" de Machado de Assis, A Mão e a Luva inova o romance romântico tradicional, no sentido de criar situações e personagens em que o móvel das ações humanas não mais se restringe ao amor puro e simples, mas volta-se para o aspecto social em que o desejo é o de ascender socialmente, mesmo à custa do sacrifício afetivo, ético e moral. Basta essa visão para perceber-se a mudança radical: Guiomar, a heroína, em que pesem os dotes físicos de extrema feminilidade e beleza - o que é típico do romance romântico -, revela um comportamento em que a determinação, a frieza, a hipocrisia governam as atitudes que têm sempre o fito de atingir o objetivo delineado e perseguido implacavelmente.
A linguagem, o vocabulário, a tessitura e algumas atitudes são, claramente, românticos. Entretanto os protagonistas - Guiomar e Luís Alves - seriam facilmente, se isso fosse possível, transplantados para um "romance realista" sem que houvesse necessidade da qualquer mudança em sua caracterização psicológica e comportamento social. Percebe-se, por conseguinte, que os romances dessa fase são como o "treinamento" para o grande ficcionista que viria a seguir.
DO TÍTULO
Escolhido a rigor, o título é como um resumo bastante sintético da obra. Guiomar e Luís Alves são tão semelhantes em suas reações, atitudes e ambições que sua perfeita união lembra o casamento de uma luva feita sob medida para uma determinada mão.
ENREDO
Guiomar é moça de origem humilde, orfã, mantida em uma escola para formação de professores por uma protetora rica. Surge um pretendente - Estevão - e ela o descarta porque ele não encarnava o ideal de homem que ela imaginara para marido. Deixando a escola e indo viver como filha, em casa de sua protetora, reencontra o antigo namorado que procura, por todos os modos, reatar o namoro.
Já agora há outro que que a deseja como esposa Jorge , sobrinho e protegido da madrinha de Guiomar. Jorge conta, em suas investidas, com o auxílio poderoso de Mrs. Oswald, dama de companhia da baronesa. A este triângulo amoroso, formado por Jorge, Estevão e Guiomar, acrescenta-se Luís Alves, amigo de Estevão e vizinho de Guiomar, que passa a assediá-la de maneira discreta e eficiente.
Mrs. Oswald toma o partido de Jorge e tenta convencer Guiomar a dar-lhe a preferência, pois, segundo ela, a baronesa faria muito gosto nesta união. Guiomar, entretanto, tem outros planos. Ela não aceita que ninguém, nem nada, tolha seus planos de grandeza. Deseja um marido que seja ambicioso, forte, atrevido, inescrupuloso, capaz de vencer todos os obstáculos para manter-se sempre em posição privilegiada e superior. Este homem é Luís Alves e ela o incentiva a pedir sua mão à baronesa, preterindo os pretendentes que não preenchiam os requisitos que ela traçara para o seu futuro marido.
TEMPO NARRATIVO
Predomina o tempo cronológico, determinando uma narrativa lenta, compassada, arrastando-se por detalhes muitas vezes dispensáveis, como se pode observar nos fragmentos a seguir.
Luís Alves acudiu-lhe com as pastilhas a consolação passou; nova palestra, novo riso, novo desespero, e assim se foram escoando as horas da noite, que o relógio da sala de jantar batia seca e regularmente, como a lembrar aos dous amigos que as nossas paixões não aceleram nem moderam o passo do tempo.
A aurora para os dous acadêmicos coincidiu com as badaladas do meio-dia, o que não admira, pois só adormeceram quando ela começava a apagar as estrelas. Estêvão passou a noite, a manhã, quero dizer, muito sossegado e livre de sonhos maus. Quando abriu os olhos estranhou o aposento e os objetos que o rodeavam. Logo que os reconheceu, despertou-se-lhe, com a memória, o coração, onde já não havia aquela dor aguda da véspera. Os sucessos, embora recentes, começavam a envolver-se na sombra crepuscular do passado.
A natureza tem suas leis imperiosas; e o homem, ser complexo, vive não só do que ama, mas também (força é dizê-lo) do que come. Sirva isto de escusa ao nosso estudante, que almoçou nesse dia, como nos anteriores, bastando dizer em seu abono que, se o não fez com lágrimas, também o não fez alegre. Mas o certo é que a tempestade serenara; o que havia era uma ressaca, ainda forte mas que diminuiria com o tempo. - Luís Alves evitou falar-lhe de Guiomar. Estêvão foi o primeiro a recordar-se dela.
Dá tempo ao tempo, respondeu Luís Alves, e ainda te hás de rir dos teus planos de ontem. Sobretudo, agradece ao destino o haveres escalado tão depressa. E queres um conselho?
A promessa cumpriu-se pontualmente. Luís Alves apresentou Estêvão à baronesa, na seguinte noite, como seu companheiro e amigo, como advogado capaz de zelar os interesses da ilustre cliente. A recepção foi geralmente boa, salvo por parte de Guiomar, que pareceu aborrecida de o ver naquela casa. Quando Estêvão a saudou, como quem a conhecia de longo tempo, ela mal pôde retribuir-lhe o cumprimento; em todo o resto da noite não lhe deu palavra. Daquela parte o acolhimento não podia ser pior; mas Estêvão sentia-se feliz, desde que vê-Ia, respirar o mesmo ar, nada mais pedindo por ora, e deixando o resto à fortuna.
Eram nove horas da noite; Luís Alves recolhia-se para casa, justamente na ocasião em que Estêvão o ia procurar; encontraram-se à porta. Ali mesmo lhe confiou Estêvão tudo o que havia, e que o leitor saberá daqui a pouco, caso não aborreça estas histórias de amor, velhas como Adão, e eternas como o céu. Os dous amigos demoraram-se ainda algum tempo no corredor, um a insistir com o outro para que subisse, o outro a teimar que queria ir morrer, tão tenazes ambos, que não haveria meio de, os vencer, se a Luís não ocorresse uma transação.
Pois sim, disse ele, convenho em que deves morrer, mas há de ser amanhã. Cede da tua parte, e vem passar a noite comigo. Nestas últimas horas que tens de viver na Terra dar-me-ás uma lição de amor, que eu te pagarei com outra de filosofia.
ESPAÇO
O espaço é físico com declarações explícitas sobre alguns logradouros que identificam o Rio de Janeiro.
Estêvão meteu a mão nos cabelos com um gesto de angústia; Luís Alves sacudiu a cabeça e sorriu. Achavam-se os dous no corredor da casa de Luís Alves, à Rua da Constituição, - que então se chamava dos Ciganos; - então, isto é, em 1853, uma bagatela de vinte anos que lá vão, levando talvez consigo as ilusões do leitor, e deixando-lhe em troca (usurários!) uma triste, crua e desconsolada experiência.
RESUMINDO
Três pretendentes e uma só prenda: Guiomar é uma jovem de origem humilde, mas com uma ambição desmedida. Controla os impulsos de seu coração de forma absolutamente racional. Aparenta fragilidade e pureza, quando é apenas interesseira e determinada. Afilhada de uma rica baronesa, desperta o interesse de três pretendentes completamente diferentes um do outro:
Estevão é sentimental, doidivanas, ingênuo, piegas. Amaria a primeira mulher que o olhasse. Não se valoriza e por isso não mereceu a preferência de Guiomar. Embora sincero, é superficial, inseguro, volúvel, fragilizado por sua futilidade e isso o coloca como carta fora do baralho.
Jorge é fraco de caráter. Egoísta e narcisista, espera que o mundo se ajuste à sua volta e que todos o tenham como centro e referência. Sua futilidade e indefinição de objetivos fazem com que a ambiciosa Guiomar o rejeite. Ele não ama Guiomar, mas casar-se com ela lhe é conveniente nos aspectos econômicos (a fortuna da baronesa ficaria toda sob seu comando) e afetivos (agradaria a baronesa). Não fica claro por que razão, mas conta com o apoio de Mrs. Oswald para vencer a resistência de Guiomar em aceitá-lo.
Luís Alves é frio, metódico, reservado, ambicioso. "Corre" por fora, mas sabe o que quer. Não revela seus sentimentos a ninguém. Só se decide em pedir Guiomar quando tem o domínio total da situação e sabe que o sucesso de sua empreitada está assegurado. Mesmo assim, deixa a ela a decisão sobre o momento e a conveniência de pedi-la em casamento ou não. É um jogador calculista que só aposta com a certeza de ganhar.
OUTROS PERSONAGENS
Mrs. Oswald é uma espécie de governanta da casa da velha baronesa. Intrometida, ambiciona eternizar-se como "agregada" na família. Subserviente e ardilosa, faz tudo para estar bem com todos, particularmente com a baronesa. Move-a unicamente a preocupação com sua segurança no esquema familiar e na ocupação de uma posição importante e influente. Suprime facilmente suas vontades e projetos, para se ajustar às novas situações. É aliada de Jorge na empresa de conquistar o amor de Guiomar, mas quando esta dá sua preferência a Luís Alves, acomoda-se rapidamente a esta realidade.
A madrinha baronesa é uma velhota bondosa que tudo faz pela felicidade da afilhada, que considera filha adotiva. Personalidade idealizada, reunindo em si a pureza de intenções, o instinto maternal, a ingenuidade e a renúncia; representa o mais forte toque genuinamente "romântico" de toda a narrativa.
Quer fazer de sua vida e de seus dois "amores" Jorge, o sobrinho, e Guiomar, a afilhada - um conto de fadas com final feliz. Quando percebe que estava a intrometer-se indevidamente no destino e nos anseios da afilhada, muda seu projeto e aceita resignadamente a preferência de Guiomar por Luís Alves.
CONCLUINDO
Mesmo tendo sido repudiado pelo autor que, taxativamente, afirmou "melhor seria não tê-lo publicado", o livro tem a marca inconfundível do mestre. Situações ambíguas, ironia, hipocrisia, falsidades, interesses escusos, todos os ingredientes usados sobejamente para realizar um estudo da alma humana com a "pena da galhofa e a tinta da melancolia" num meio riso que mais parece um ríctus de amargura a revelar o desencanto e o desalento ante a miséria física e moral do ser humano irremediavelmente condenado à pequenez.