Resumo do Livro Essa Terra

Resumo do livro Essa Terra do autor Antonio Torres.

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Resumo do Livro Essa Terra
Essa Terra

Resumo do Livro Essa terra - Antonio Torres

O romance Essa terra, de Antonio Torres, focaliza, na experiência de uma família do sertão baiano, o drama da migração nordestina para São Paulo e suas consequências psicológicas e sociais. Sob a ótica do narrador Totonhim, o irmão mais novo, conhecemos a trajetória do protagonista.

Nelo é o migrante que, ao deixar sua terra, sua família e sua identidade para trás, entrega-se à metrópole paulistana e nela se perde, desenraiza-se e termina derrotado. Ao retornar ao lar paterno, encontra-se doente, abandonado e desiludido.

Não suporta o peso da frustração, ao sentir que não contemplara as expectativas da família, sobretudo de sua mãe, que o imaginava rico e vencedor. O suicídio de Nelo é, portanto, o nó do enredo, síntese do impasse, do desenraizamento e da frustração que destroem o personagem.

Este drama pungente constitui uma ficção precisa, de grande força estética, uma espécie de depoimento sobre um aspecto dramático da sociedade brasileira de meados do século XX. Pode ser visto ainda como um memorial consubstanciado no contraste gritante entre os grandes centros desenvolvidos e o sertão esquecido à própria sorte, em que a redenção do homem se reduzia ao horizonte das tristes estradas.

Essa terra tem o toque mágico dos grandes livros, desperta no leitor o senso de reflexão comiserada acerca do semelhante e a suas condições de existência, aguça a vontade de compreensão e a solidariedade, provoca uma visualização mais profunda do ser humano.

Este romance nos faz enxergar mais profundamente a realidade dos excluídos, reconhecendo-os enquanto sujeitos e pacientes de um drama histórico. Ao lê-lo sentimos aquele mesmo apelo de Vidas secas, assim como a marca da hombridade que se capta no sertanejo de Os sertões.

Trata-se de uma escrita densa, de economia formal medida, tecida com a maestria de um romancista que consegue aliar precisão técnica à ternura do relato, mantendo, apesar da tensão, uma “camaradagem” equilibrada com seus personagens.

A migração é um fenômeno universal, assim como o desenvolvimento desigual dos lugares. Campo, cidade, metrópole, essa é a rota que exibem todos os países, num fenômeno mundial.

O drama da viagem, do desenraizamento, da diáspora, da perda de valores fazem de Essa terra um romance universal, pondo em relevo a feição particular que este assume em território brasileiro, na trajetória sertão/metrópole, como uma viagem de ida e volta, não só em termos concretos, no deslocamento dos corpos e das vivências, mas na transição de valores, comportamentos, imaginários e condições de vida.

Um livro que se coloca na mesma linhagem de O quinze, Vidas secas e Vila Real, naquilo que esses romances têm de esforço para compreender a saga do nordestino, em condições tão adversas.

Rico em significações não só estéticas, mas também sociais, dialoga com diferentes dimensões do saber, interessando também aos estudiosos da cultura, da história, da geografia humana, entre outras.

O romance apresenta-se dividido em quatro partes: “Essa terra me chama”, “Essa terra me enxota”, “Essa terra me enlouquece” e “Essa terra me ama”. É também narrado em primeira pessoa, cujo narrador é Totonhim, um dos doze irmãos de uma família pobre que mora no interior da Bahia.

A obra tem como cenário o sertão brasileiro e sua realidade: a fome, a miséria, a seca e o misticismo. O espaço do interior baiano é assim definido: primeiramente, sabe-se que a família habitava uma região chamada Junco, onde trabalhavam e moravam na roça; em seguida a mulher e os filhos e, posteriormente o pai, se mudam para a Feira de Santana por causa do “ginásio” para os filhos, onde vivem em pobreza ainda maior e, finalmente, em Alagoinhas, no final da narrativa.

A história se apresenta como um relato fragmentário e memorialístico da trágica história desta família. Primeiro, é a vinda de Nelo, o “filho pródigo”, que fugiu para São Paulo, em busca de melhores condições de vida, mas que volta pobre; depois vemos a mudança da mãe e dos filhos para Feira de Santana, pois a escola ficaria mais próxima dos filhos, e a resistência do pai em acompanhá-los; em seguida, relata-se a perda da roça do pai para o irmão, que lhe diz “ajudar” para que o banco não confiscasse todos os seus bens; após, sabe-se das constantes fugas dos filhos, em especial das filhas, que preferem fugir e apanhar dos maridos a viver naquela família; o suicídio de Nelo (que já aparece na primeira parte); a loucura da mãe; e, finalmente a solidão do pai após a decisão de Totonhim de fugir para São Paulo, única saída encontrada para sair daquela pobreza.

Essa terra me chama

A história tem seu início com o relato memorialístico feito por Totonhim, o narrador da história, acerca do retorno do irmão Nelo a seu lugar de origem, Junco, uma pequena cidade localizada no interior da Bahia. Fazia vinte anos que o irmão fugira de casa; pegara um caminhão e sumira pelo mundo, fora para São Paulo, em busca de melhores condições de vida.

A condição da família era de extrema pobreza, principalmente quando se mudaram para Feira de Santana, em busca de estudos para os filhos. O pai sempre foi contra, mesmo depois de vinte anos; por ele, ficariam na roça, pois esse negócio de colégio era “besteira”.

A princípio, Nelo mandava dinheiro para a mãe (só para a mãe), mas, com o tempo, parece ter esquecido do assunto. Por morar em São Paulo, toda a família acreditava que Nelo estava rico. Mero engano.

O encontro dos dois irmãos é relatado: Totonhim vai pegá-lo numa hospedaria e o irmão lhe diz um seco “muito prazer”. Muito prazer – seria o resumo de tudo? Apenas duas palavras para matar vinte anos de saudade? Nelo vai, enfim, para a humilde casa do irmão e quer saber como vai o pai.

- Vendeu a roça, a casa da roça e a casa da rua, pagou as dívidas, torrou o troco na cachaça, depois se mudou para Feira de Santana.
A mãe foi antes, para nos botar no ginásio. O velho ficou aqui, zanzando, desgostoso, se maldizendo de tudo. Um dia não agüentou mais e sumiu na estrada, em cima de um caminhão, aboiando.

Dos irmãos, três estão em Feira. Os pequenos. Os outros estão espalhados. Você vai ter que viajar muito, se quiser catar um a um.
Nelo nunca mais havia mandado dinheiro para a mãe e queria saber se os outros irmãos também não o davam.

Os outros mal conseguem o que comer e eu mesmo fiz uma cruz na parede e jurei por ela que nunca mais daria um tostão naquela casa de loucos, ainda que estivesse com o rabo cheio de dinheiro. Podiam todos morrer à míngua, diante dos meus olhos, que eu nem sequer iria me preocupar em enterrá-los. Os outros pensam do mesmo jeito, tenho certeza.

A mãe, vivia em suas constantes reclamações: - Tenho doze filhos e me sinto tão sozinha. Se não fosse por Nelo. Não vou passar sua roupa. Não sou sua empregada. Os incomodados que se retirem.
Eis por que me retirei. Totonhim saíra de Santana e voltara para a roça, para morar com o avô.

Um dia Nelo se embebedou. Enquanto o irmão o carregava, Nelo pediu para que o levasse na casa de sua mulher. Totonhim não sabia onde era, nem mesmo que ele era casado.

O irmão lhe disse que possuía dois filhos e contou-lhe sua trágica história. Um dia, já abandonado pela mulher e filhos, pensou ver sua ex-esposa num ponto de ônibus. Correu desesperadamente para vê-la e aos filhos; nesse momento, a polícia o confundiu com um ladrão e passou a correr atrás dele. Sem perceber o incidente, Nelo corria cada vez mais. Porém, quando chegou perto, o ônibus passara e a mulher se fora.

Ao parar, virou presa fácil para a polícia. Imediatamente identificou Zé do Pistom, o primo que havia roubado sua mulher. O policial o acusou de tentativa de seqüestro de seus próprios filhos e mandou que o espancassem. Os policiais bateram tanto que o rapaz chegou a ficar inconsciente; a pancadaria era seguidas de constante urina sobre o corpo.

Dias depois, Totonhim foi chamar Nelo para ir tomar banho no rio e encontrou-o enforcado, pendurado numa corda, no armador da rede.
Mais um condenado foi para o inferno, pregou o doido Alcino, na porta da igreja.

Alcino era um homem que diziam ter endoidado depois que sua mulher o abandonara no dia da lua-de-mel. Ela fugira porque se assustara com o tamanho de seu pênis (os mais maldosos diziam que ele era filho de jumento, isso porque só transava com jumentas).

Mas, desta vez, todos sabiam que o doido estava falando a verdade. Quem se mata é um condenado.
A preocupação de Totonhim, agora, era com seus pais. O que diria a eles? Como explicar que Nelo não lhes fora visitar, se o ônibus de São Paulo parava primeiro em Feira de Santana?
Seu Zé da Botica o enchia de chás calmantes.

Ele pensava no caixão. Será que o pai, carpinteiro que era, faria o caixão para o filho? O último que ele fez foi para outro enforcado, um parente nosso que encontramos pendurado num galho de baraúna.
Enquanto isso, o sargento demorava a liberar o corpo do irmão. Totonhim já estava nervoso e falava com o defunto: - Você veio aqui só para fazer isso comigo? Você tinha o Brasil inteiro para fazer isso e veio escolher logo esta sala? Acorda, filho de uma égua.

Avançou sobre o morto e iria bater nele, se não fosse o Zé da Botica. Começou a chorar.
Quando os dois homens retornaram à sala, um deles me pediu uma receita médica que Nelo carregava sempre no bolso. Respondi-lhe que eu nem sequer sabia que ele andava com uma receita médica no bolso. – Mas eu sei – disse o farmacêutico.
Nelo havia ido até a farmácia comprar remédios – os remédios eram para sífilis e esquistossomose.

O irmão vai para a venda e lá fica sabendo que um dia, Pedro e Nelo espancaram um homossexual na rua, por puro preconceito e Pedro pôs a culpa no amigo. Nelo levou duas surras: uma do pai e outra da mãe. Ficaram de mal e, agora, Pedro sentia um peso na consciência. O episódio ficou conhecido como "a noite do veado".

Também o sargento não gostava de Nelo porque um dia, sua mulher o elogiara; achara Nelo bonito. Eu sei que ele queria matar o meu irmão. Depois que soube de sua morte, o sargento ficou triste, desanimado. Não pense mais nisso sargento.

Você perdeu apenas a chance de matar um homem, que já chegou aqui morto, como se verá.
O pai chega até a casa, tira o chapéu, se benze, depois me pergunta onde estão as tábuas e as ferramentas. Começa a fazer o caixão.


Essa terra me enxota

O velho bateu a cancela, sem olhar para trás.
Mas não pôde evitar o baque, o último baque: aquele estremecimento que fez suas pernas bambearem, como se não quisessem ir. Pensou: - Malditas são as mulheres. Elas só pensam nas vaidades do mundo. Só prestam para pecar e arruinar os homens. Tudo por culpa dela.

Por causa dessa mania de cidade e de botar os meninos no ginásio. Como se escola enchesse barriga.
O filho desapareceu no mundo, contra a sua vontade, para nunca mais voltar. De nada adiantaram os pedidos para que ficasse. Foi e, agora, nem mais escrevia para a família.

No começo, mandava dinheiro para a mãe (só para a mãe!) e, agora, nunca mais o havia feito. Ele tinha vontade de ir para São Paulo ou Paraná, terras boas, onde certamente encontraria uma roça para tomar conta, como se fosse o dono.
O pai mostra-se uma pessoa amargurada. Sente falta da mulher (embora não admita), dos filhos; sente-se sozinho e abandonado. Acorda, olha para aquele colchão onde Deus lhe dera os doze filhos, olha para o quintal onde doze umbigos foram enterrados.

Chama por todos: - Nelo, Noêmia, Gesito, Tonho, Adelaide. – mas não há ninguém. Sente-se relaxado, a barba por fazer; vai tomar banho no rio. Lembra-se dos fillhos, de como ensinara Nelo a nadar; da filha que fugiu com um negro (eta filha desnaturada. Deus fez os brancos para os brancos, os pretos para os pretos. Branco com preto não assentava. Ainda bem que os netos tinham cabelos bons.). Lembrou-se da mulher, das surras que ela dava nos filhos – era uma mulher sem piedade: batia nos filhos até esfolar o couro. Não aprovava judiação de espécie alguma.

Apesar de seus 60 anos, sentia-se forte para exercer sua profissão de “mestre carpina”. Vinha da raça dos vaqueiros e não temia serra-goela, do mesmo modo que João da Cruz, o pai do lugar – seu ancestral.
Lembrou-se furiosamente de sua lua-de-mel, quando ainda, ambos virgens, juntaram-se.

Ele, meio sem jeito, cumpriu seu papel de marido; mas, a mulher, esta parecia já saber o que fazer. As mulheres já nascem putas. Elas têm que ser trazidas de rédea curta. Nesse dia descobriu um novo sentimento em sua vida, qualquer coisa parecida com o que se chama de ciúme.

Caminhando pelo lugar, o pai se lembra, ainda, do irmão, o irmão que ficou com as terras de seu pai e com a sua própria terra. Foi no dia em que chegou a Feira de Santana com a notícia: os homens do banco estavam apertando, iam tomar-lhe tudo.

Entre o banco e o irmão, preferiu vender a propriedade ao irmão. Assim, pagaria a dívida do banco e ainda ficaria com um dinheirinho para abrir um pequeno negócio em Feira de Santana.

Mas, o irmão o logrou: deu-lhe uma quantia irrisória pelas terras. Agora, estava sem nada nem ninguém.
O pai se recorda também de um homem que passara certa vez em Feira de Santana e lhe disse que vira Nelo, em São Paulo. Radiante, o pai queria saber notícias do filho, mas o rapaz tinha pouca informação; daquilo que sabia, o pai deduziu que Nelo estava muito bem, talvez até rico.

Pensara naquele viajante que por ali estivera e dizia ter ido até o sul do mundo, no Paraguai. O pai começou a desconfiar dele, pois era crente Esse negócio de crente não é da lei de Deus. Para mim, crente e comunista é tudo a mesma coisa.

Ao falar em crente, ele lembra-se de tio Ascendino, um crente que odiava os udenistas. O pai voltou a chamar pelos filhos, mas ninguém respondeu. O único a chegar foi o cachorro. Eis quem acabou se revelando o melhor dos meus filhos.

Decidido, então, a deixar aquele lugar, o pai vai até a casa de seu compadre Artur para que partissem. Iria na carroceria do caminhão. Ao passar pela igreja, lembra-se de que naquele lugar batizara os seus filhos e muitos dos outros e, com orgulho, pensa que foi um Cruz, seu parente, o primeiro a fincar a primeira casa, a fazer a capela e o cruzeiro. Seguiram viagem e ele levou o cachorro, seu fiel companheiro, consigo.

Essa terra me enlouquece

A terceira parte do livro, começa com uma interrogação feita pelo narrador: Quem sou eu?
Ao mesmo tempo, parece conversar com a mãe, refletindo que ela havia para ali voltado, não por vontade própria, mas por necessidade, por causa da morte do filho. Enquanto estavam na sala, o pai fazia, na cozinha, o caixão para Nelo.

O filho narrador, em suas reflexões, sente vontade de abraçar a mãe. Só não o fiz porque não pude. Ela estava apertando o meu pescoço com toda a força que ainda restava em suas duas calejadas e ásperas mãos. Eu queria falar, mas não conseguia. Era como se fosse a hora da minha morte. E naquela hora eu nem me lembrei que tinha apenas vinte anos e ainda podia viver muito.

Nunca nos amamos, eis tudo.
Conheço este rosto.
Já o vi louco antes. Esta não é a primeira vez.
Reconheço estas mãos.

Me empurraram porta afora, quando o velho vendeu a roça e eu pedi uma indenização. (Aquilo tudo era nosso, eu disse. E “nós” significa “eu também”. Não me deram nada e eu disse: - Um dia volto aqui e mato todos vocês. Fui excomungado, para todo o sempre. Não voltei mais lá e não matei ninguém. Mas continuo excomungado.)

Enquanto a mãe tentava estrangular o filho, Nelo continuava ali no chão, bem ao seu lado. Depois de soltá-lo, ele teve de levar a mãe para o hospital, que não era perto (aqui fica implícito que tipo de hospital era este, provavelmente, um hospício).

Antes, porém, ouçamos um doido velho, doido varrido, doido de pedra, do que quiserem.
- Nesta terra os vivos não dormem e os mortos não descansam em paz – assim falava Alcino. – Enforcado não entra na igreja. Mais um condenado foi para o inferno.

O dia inteiro o louco ficou gritando essas coisas.
De repente, a narrativa é interrompida por uma causo que acontecera (ou que o louco imaginara que acontecera) com Alcino. O morto começa a conversar com ele; apavorado, Alcino diz que não quer morrer, mas Nelo o tranqüiliza e o chama de “irmão”; este pensa que o condenado ainda não fora para o inferno. Nelo vem para lhe dizer que, no quintal do sargento havia um tesouro escondido; Alcino deveria chamar a beata Teodora para que esta fizesse a reza, enquanto ele cavava. Mas, egoísta que era, Alcino foi sozinho, pois queria todo o dinheiro para si. Assim que achou o tesouro, chegaram os cangaceiros e o roubaram. Se a beata estivesse lá, rezando, eles não teriam vindo. No dia seguinte, pela manhã, Alcino voltou ao lugar: o buraco que ele cavou havia desaparecido, como se ninguém nunca tivesse mexido naquele terreno.

Sentaram-se ao pé do muro. Queriam algo que os encorajasse a ir até o quintal do sargento. O morto sugeriu que fossem a um puteiro “tomar uma”. Mas, no local não havia um puteiro, então, pensaram em abrir um. Mas, Alcino só possuía experiências sexuais com “jumentas”.

Então, a solução era ir até a venda; mas ninguém venderia cachaça fiado a um louco, muito menos a um morto. Pensaram em dizer que quem havia pedido a cachaça era o pai de Nelo; a mentira, porém, não deu certo e Alcino voltou de mãos vazias.
- Irmão, irmão, eles não acreditaram em mim. Raça de filhos da puta. Irmão, irmão, irmão...

Não havia mais irmão, não havia mais nada. Também não havia nem sombra de gente dentro do quintal. – Irmão, irmão. Desceu do muro e continuou correndo e gritando. Dobrou o beco, voou sobre a rampa que dava na praça, atingiu a calçada da igreja. Agora ele ia fazer o sermão mais bonito da sua vida.

O narrador começa a lembrar do avô, que morava com ele, e seus costumes antigos. Depois, pensa no pai: - Não ande com a cabeça no tempo. Bote o chapéu. Quem anda com a cabeça no tempo perde o juízo.

A narrativa sofre outro corte, e o foco é a mãe, seu sofrimento, sua dor, suas brigas com o pai (brigas que acabavam sempre em pancadaria) e a sua esperança depositada em Nelo, para ela, o único filho que poderia ajudá-la. Veja Nelo meu filho se é vida que se apresente uma mulher viver apanhando do marido venha me buscar.

A mulher cada vez mais dava sinais de loucura: escrevera para o filho e dissera que o pai tomara veneno ( na realidade, quem tomara veneno fora o irmão do pai, mas ela acreditava que fora o marido).
Nelo meu filho o fim destas mal traçadas linhas é dar-te as minhas notícias e ao mesmo tempo saber das tuas Como tens passado? Bem não é?

Aqui todos em paz graças a Deus Seu pai bebeu veneno Nelo meu filho essa é que foi a maior tristeza da minha vida. Tenha dó da sua mãe Eu nunca lhe pedi isso é a primeira vez venha me buscar Você é a única pessoa neste mundo Faça isso por sua velha e pobre mãe Eu lhe peço.

Enquanto isso, o pai fazia o caixão e pigarreava na cozinha. Papai tosse. Trabalha e tosse. Está fumando demais. Fuma e bebe demais.
O filho narrador vai buscar o pano preto (e isso lhe causa horror), enquanto os parentes reclamam que o morto não possui uma mortalha. Mas, e a mãe?

Minha mãe, ora minha mãe, esqueçam-na. Queriam saber o que Nelo trouxera na mala. Nada. Estava vazia.
O caixão estava pronto.

Essa terra me ama

O filho narrador consegue, com o prefeito, um carro para ir levar a mãe ao hospital.
- Vamos passear.
- Estamos passeando? Onde estamos passeando?
Qualquer resposta será uma mentira. Promete que vai dormir a viagem inteira, promete? Assim chegaremos logo. Se quiser, reze um pouco, para chamar o sono.

Ela vomita sobre as minhas pernas. Abaixo o vidro e boto o seu rosto para fora. O vento sopra fiapos do seu vômito na minha roupa, na minha cara, em tudo.
O narrador lembra que a mãe é viciada em jogo de bicho. Todo o dinheiro que

Nelo lhe mandava, ela apostava. Enquanto isso, os cobradores batiam em sua porta e os filhos passavam fome. Papai se queixa da sorte. Diz que a mudança para Feira de Santana foi a pior desgraça da sua vida. Minha terra não tem palmeiras. Tem suco de mata-pasto. Veneno da melhor qualidade.

Enquanto levava a mãe para o hospital, observava-a: ela estava ficando cega, já não mais conseguia pôr a linha na agulha. Reclamava de suas filhas, que nunca a ajudaram.
- Vou escrever para o Nelo. Ele precisa vir aqui para me levar a um médico. Por que será que Nelo nunca vem aqui?

Desta vez sou eu quem sente uma dor imensa. Na alma? Ela viu o morto e não acreditou.
- Antes de você me acordar, eu tive um pesadelo horrível. Sonhei que ele tinha morrido. Foi horrível. Nelo é tão novo ainda. Deus que lhe dê muitos anos, é só isso o que eu peço.

O motorista da prefeitura dirigia cada vez mais rápido. A mãe não conseguia identificar onde estava. O filho narrador se lembra de que a mãe um dia lhe dissera que queria ter nascido homem para poder mandar em seu próprio destino. Ir para onde bem entendesse, sem ter que dar satisfações a ninguém. “Filha. Não me fale em filhas. Eu queria tanto só ter tido filho homem.”
A mãe, pensando se tratar de Nelo, começa a revelar ao filho narrador o triste destino de suas filhas: Cinco filhas, cinco mulheres, cinco vezes azarada.

Adelaide casara-se com um negro e apanhava todos os dias, fora encontrada pela mãe em um puteiro. Após o casamento, engravidara e tivera um filho. O marido, com ciúmes do médico que fez o parto, entrou no quarto atirando – um tiro pegara na perna da sogra (isso não era loucura, pois ela possuía as marcas na perna) e dois outros na barriga da mulher.

O caso sempre foi escondido deles. A outra filha, Noêmia fora roubada por um homem que a engravidara e, um belo dia, viera devolver a filha, dizendo que não mais a queria por que ela já não mais era moça; a mãe o xingou, o médico provou que o filho era dele e eles vivem juntos até hoje; tiveram oito filhos.

A terceira filha, Zuleide, recebia homens em sua própria cama, escondida da mãe – as outras duas filhas sabiam, viam tudo e nunca diziam nada; foi, por isso, expulsa de casa quando a mãe, um dia a pegou.

E, finalmente, as duas outras filhas saíram de casa para seguir a religião, “um reino cheio de luzes”. Ela se lembra ainda da cantiga que cantava para Nelo: “Não chores, meu filho; Não chores que a vida é luta renhida: Viver é lutar.”

O filho teme que a mãe não chegue viva ao hospital; agora, pede para que o motorista acelere. Chegaram, foram falar com a enfermeira, que lhes dissera que chegaram cedo demais. Não, querida. Chegamos tarde demais. Abaixa os olhos. A cena é muda.

Ainda assim ouço-a dizer: - Sabe o que é dar plantão numa casa de loucos e ainda por cima ser acordada por um homem e uma mulher fedendo a vômito? O filho interna a mãe.
Não me esperaram para o enterro. Achei ótimo. Papai se queixou: - Tinha tão pouca gente. Falou ao papai que a internação da mãe iria custar dinheiro. Todo mês.

- Eu também não vou durar muito. Tenho certeza disso.
Foi então que comecei a me sentir perdido, desamparado, sozinho. Tudo o que me restava era um imenso absurdo. Mamãe absurdo. Papai Absurdo. Eu Absurdo. “Vives por um fio de puro acaso.”

E te sentes filho desse acaso. A revolta, outra vez e como sempre, mas agora maior, mais perigosa. Não morrerás de susto, bala ou vício. Morrerás atolado em problemas, a doce herança que te relegaram.

O enterro foi pago com dinheiro emprestado a juros. Uma miséria, de uma miséria de outra miséria. Teu pai não sabe se vai ter dinheiro para comer, daqui pra frente, quanto mais se vai pagar os juros do enterro de um filho.
Por fim, o filho narrador conta ao pai que vai embora. Para onde? Para São Paulo. Com o dinheiro que receberia pela Prefeitura, compraria uma passagem e venderia a vaca que o avô deixara.

O pai não se conformava: - Você é igual aos outros. Não gosta daqui – falou zangado. Ninguém gosta daqui. Ninguém tem amor a esta terra.
Ele tinha, eu sabia, todos sabiam.
Passado o sermão, papai amansou a voz. Parecia mais conformado do que aborrecido:
- Você faz bem – disse. – Siga o exemplo – Abaixou as vistas, sem completar o que ia dizer.